quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Confira o trabalho das quebradeiras do Maranhão

Elas já enfrentaram os coronéis e hoje têm uma cooperativa que fatura em euros com a exportação do óleo de babaçu

POR TEXTO: VIVIANE TAGUCHI, DE LAGO DO JUNCO (MA)
babaçu-maranhao (Foto: Viviane Taguchi)
Os finais de tarde em Lago do Junco, cidade distante 300 quilômetros de São Luis (MA), são marcados por um ritual que se repete há décadas: grupos de mulheres adentram as matas entoando cantos e versos para quebrar coco babaçu. Nas mãos, ferramentas e, nas costas, o cofo, um cesto de palha. Maria, Fátima, Diocina, Ivete e tantas outras passam boa parte da vida enfiadas no mato. A história de uma é quase a mesma da outra. Juntas, lutaram pela terra e amamentaram filhos se esquivando do relho dos coronéis.
Quem quer que se ponha a escutar suas histórias percebe como a vida delas mudou nos últimos 25 anos. Saíram da opressão econômica e cultural no nordeste brasileiro para brilhar na Europa e nos Estados Unidos. “Antes, a gente vivia de catar coco, obedecer homem, fosse marido ou coronel. Agora, somos mulheres, agricultoras, empreendedoras e cientes do nosso papel na sociedade e do compromisso com o planeta”, diz, orgulhosa, Maria das Dores Lima, a Dôra, de 46 anos, presidente da Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais (AMTR) de Lago do Junco. “Somos agricultoras empoderadas”, diz.
Dôra é a voz das quebradeiras. Mãe de quatro filhos, quebra coco desde os 7 anos, é afinadíssima, cria músicas, e coleta até 16 quilos de amêndoas por dia, sozinha. Tinha 21 anos quando começou a empreender. “Um paulista comprou nosso óleo e mostrou para um executivo da Inglaterra”, lembra. O tal executivo era funcionário da companhia inglesa de cosméticos The Body Shop, que na mesma época já rodava o mundo em busca de fornecedores sustentáveis para seus produtos, um programa chamado Community Trade. “Não sabíamos o que era economia solidária, sustentabilidade, bônus, e a proposta dele incluía isso tudo”, lembra Dôra.
Babaçu (Foto:  )
Mulheres bravas
A maioria das famílias rurais de Lago do Junco chegou lá nos anos 1940. Migraram para a Mata dos Cocais, bioma onde os babaçuais são abundantes, para ganhar a vida. “Essas terras não tinham dono até 1964, quando foram subdivididas e dadas de presente aos coronéis”, conta Diocina dos Reis, de 64 anos. “Derrubaram as matas para formar pastos e nos proibiram de catar coco”,diz a quebradeira.
Diocina relata que as mulheres, grávidas, com mais duas ou três crianças na barra da saia, enfrentaram os coronéis porque não tinham outra forma de sobreviver. “Dissemos que enquanto fosse proibido a gente catar o coco (o babaçu cresce em cachos e, quando maduro, cai no chão) iríamos matar um boi deles por dia para dar de comer aos nossos filhos.” Tamanha ousadia rendeu-lhe chicotadas, surras de arame farpado e até mortes. “Foi uma luta sangrenta. Em 1986, alguns permitiram que a gente quebrasse coco, mas ditavam as regras da venda.”
“Os homens falam: cuidado com elas porque são bravas, conseguem o que querem”, diz. “Mas esse apelido foi dado porque criamos o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)”. A iniciativa citada resultou na aprovação da Lei do Babaçu Livre, em 1997, que estabeleceu o livre acesso e o uso comum dos babaçuais e proibiu a derrubada das palmeiras. Hoje, a lei é aplicada em 11 municípios brasileiros.
Até o final dos anos 1980, o comércio de babaçu obedeceu ao “quebra-metade”. João Valdeci Viana Lima, presidente da Cooperativa dos Produtores do Lago do Junco (Coopalj), conta que, ao permitir a entrada nas terras, o fazendeiro exigia metade da colheita. “Dez quilos de amêndoa valiam 1 de arroz. O que sobrava dava para fazer sabão.”
Babaçu (Foto:  )
Babaçu (Foto:  )
Em 1989, o quilo da amêndoa custava o equivalente a R$ 0,04. Atualmente, o mesmo volume custa R$ 2,50 e o quilo do óleo, 3,15 euros. “Por ano, as mulheres coletam cerca de 700 toneladas de amêndoas. A cooperativa compra, processa, extrai o óleo e exporta”, explica Valdeci, que negociou 350 toneladas de óleo de babaçu com indústrias de cosméticos no ano passado. O restante da produção, vai para uma fábrica de sabonetes que elas montaram. Produzem12 mil unidades por ano. Cada um é vendido por R$ 3, mas, em lojas de São Luís, Rio de Janeiro e São Paulo, custam R$ 10.
Esse espírito empreendedor, contam elas, ganhou força com a chegada da The Body Shop e do Community Trade. Mark Davis, diretor global de abastecimento da marca, explica que a empresa mantém parcerias com 28 comunidades em diversos países (só o Brasil possui três comunidades) e elas fornecem os ingredientes que a empresa precisa para fabricar cosméticos naturais.
João Valdeci diz que, para fazer o negócio fluir, a The Body Shop teve de adiantar US$ 5 mil para os agricultores. “Eles nos ensinaram praticamente tudo e, principalmente, vivem nos incentivando a expandir os negócios, a buscar outros parceiros”, admite.
Até 2020, a companhia inglesa quer ampliar essas parcerias e chegar a 40 comunidades ao redor do mundo. Mark Davis diz que o objetivo é assegurar que todos os ingredientes naturais usados por eles sejam rastreados e de origem sustentável. Ele estima que essa política possa preservar 10.000 hectares de florestas no planeta. “Nossa ambição é ser o negócio global mais ético e sustentável do mundo”, diz.
Babaçu (Foto:  )
Babaçu (Foto:  )
Salvem as pindovas
A Coopalj tem 160 associados. Além do babaçu, vem testando, junto com a Embrapa Cocais, alguns tipos de cultivos consorciados para reduzir as áreas de pastagens degradadas com hortaliças, frutas, reflorestamento e gado de leite. No final do ano passado, distribuiu R$ 88 mil em sobras. “A diversificação é necessária, mas o babaçu ainda é nosso ouro”, diz o agricultor.
Segundo ele, do babaçu é possível aproveitar tudo: o epicarpo (fibras), para fazer xaxim, o mesocarpo (polpa), para preparar alimentos, o endocarpo (casca), para gerar energia (carvão), e a amêndoa, usada para a extração do óleo.

A palmeira chama-se pindova nos primeiros anos de vida. “Os grandes fazendeiros não podem mais derrubar as árvores porque está na lei, mas eles trabalham para não deixar as pindovas crescerem”, explica Valdeci. Na região, é comum encontrar pindovas queimadas com óleo diesel, diz ele. “É triste, mas a consciência sustentável tem se espalhado pelas famílias rurais de forma rápida e eles estão atuando como vigias da natureza.”

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